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domingo, 8 de setembro de 2013

A LUTA CONTRA A AIDS DESDE OS ANOS 80 PELO GOVERNO BRASILEIRO



A HISTORIA DA LUTA CONTRAS A AIDS NO BRASIL

As primeiras ONGs de luta contra a Aids foram criadas em meados dos anos 80 e animadas, principalmente, por ativistas gays (em parte, como reação à percepção social da doença, que a colocava como um 'câncer gay'),


A luta contra a epidemia de Aids no Brasil se notabiliza internacionalmente, dentre outros aspectos, pela política de distribuição universal de medicamentos para portadores da doença, implementada e garantida pelo decreto-lei 9313, de 1996. Diversos fatores, atores e iniciativas se combinaram para que essa política fosse colocada em prática e continuada, apesar de percalços e dificuldades. Destacam-se: a atuação, desde o início da epidemia, de organizações da sociedade civil, as chamadas ONGs/Aids, e a ação pública, progressivamente articulada, que buscou combinar programas de saúde pública a uma política farmacêutica, incluindo não apenas a distribuição, mas também a produção local de drogas contra o HIV/Aids. Esse último aspecto colocou a problemática das patentes no centro do debate e da luta por acesso a tratamento e a medicamentos contra a Aids no país.
As primeiras ONGs de luta contra a Aids foram criadas em meados dos anos 80 e animadas, principalmente, por ativistas gays (em parte, como reação à percepção social da doença, que a colocava como um 'câncer gay'), por profissionais de saúde ligados ao Movimento Sanitarista e por pessoas infectadas pelo vírus HIV.

Existe certo consenso de que, no Brasil, entidades da sociedade civil, como igrejas, associações profissionais e filantrópicas e, em especial, organizações não-governamentais (ONGs) tiveram papel fundamental no desenvolvimento das respostas à Aids no país. Não se deve esquecer, também, da atuação anterior do Movimento Sanitarista, que, desde os anos 70, dentro e fora dos órgãos governamentais, se mobilizou no sentido de estender a cobertura da assistência à saúde no Brasil e, dessa forma, promoveu conquistas e espaços que respaldaram significativamente as iniciativas organizadas contra a Aids (1). No caso da epidemia de Aids, enquanto igrejas e outras associações concentravam-se principalmente em ações de apoio e assistência, as chamadas ONGs/Aids tiveram papel predominantemente político, promovendo mobilização coletiva e pressionando o Estado na luta contra a doença.

Profissionais de saúde ligados ao Movimento Sanitarista e por pessoas infectadas pelo vírus HIV. As primeiras ações dessas ONGs concentraram-se, sobretudo, na luta contra a discriminação, na promoção de campanhas de prevenção, no monitoramento dos bancos de sangue, na denúncia da falta de assistência e, em menor medida, na assistência e acesso a medicamentos para doenças oportunistas(2) . E, com efeito, ONGs como a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) e o Grupo de Apoio e Prevenção à Aids de São Paulo (Gapa/SP) tiveram considerável sucesso nessas intervenções, contribuindo para informar a opinião pública e a imprensa, e se estabelecendo como referências e interlocutores frente a especialistas do campo e não-especialistas.
Uma saída bastante original se apresenta no caso brasileiro: para garantir o acesso a medicamentos anti-HIV/Aids (ARVs), o Governo decide, no final dos anos 1990, organizar a produção de versões genéricas ou similares de medicamentos ARVs (Cassier & Corrêa, 2003).


Em meio a um quadro político mais geral, ainda instável, ligado à redemocratização do país, começam a se organizar, também, respostas governamentais à epidemia, que viriam a se consolidar mais lentamente: em 1983, o primeiro programa estadual de combate à Aids é criado no Estado de São Paulo e, em seguida, em 1985, o Governo Federal constitui seu próprio programa, o Programa Nacional DST/Aids. No que diz respeito à assistência farmacêutica, o Programa inicia, em 1991, a distribuição do AZT, primeira droga antiretroviral (ARV) aprovada para uso no tratamento do HIV/Aids. Com o surgimento, em 1996, da tri-terapia, considerada altamente eficaz no controle da doença, a situação se complexifica: por um lado, os custos dos novos tratamentos são bastante elevados e, por outro, aprova-se o decreto mencionado de acesso universal aos portadores e doentes do HIV/Aids, ampliando o universo de usuários possíveis dessas drogas.Uma saída bastante original se apresenta no caso brasileiro: para garantir o acesso a medicamentos anti-HIV/Aids (ARVs), o Governo decide, no final dos anos 1990, organizar a produção de versões genéricas ou similares de medicamentos ARVs (Cassier & Corrêa, 2003).

Na verdade, a cópia de moléculas farmacêuticas e a produção local de medicamentos essenciais, tanto em laboratórios públicos quanto privados nacionais, constitui uma prática muito difundida, e estimulada pelo estatuto da não patenteabilidade de produtos farmacêuticos vigente no país, entre 1945 e 1996(3). Além disso, o Brasil conta com uma rede de laboratórios públicos, composta, atualmente, por 18 laboratórios pertencentes ao governo federal, a estados e às forças armadas, o que lhe confere uma margem de manobra no sentido de conceber uma política de saúde que integre até mesmo a produção local de medicamentos essenciais. Assim, o AZT começa a ser copiado e produzido em laboratórios nacionais privados e públicos, desde 1993 e 1994, respectivamente, no Brasil. A cópia de ARVs não patenteados no Brasil leva à queda dos custos do tratamento e a uma facilitação no que diz respeito ao controle de aspectos da epidemia.

Contudo, em 1996, o Brasil alterou, também, sua lei de patentes, com o intuito de adequá-la aos Acordos Trips (Aspectos relativos ao comércio dos direitos de propriedade intelectual) da então recém criada Organização Mundial do Comércio (OMC), em resposta a uma exigência para que o país pudesse participar do comércio internacional, via OMC. Com a nova lei, diversos campos tecnológicos passam a estar sujeitos à patenteabilidade, incluindo aí os medicamentos e processos de obtenção. Com isso, as novas drogas, patenteadas após 1996 (os chamados ARVs de segunda geração), não mais poderiam ser legalmente produzidas pelos laboratórios nacionais.
O acesso ao tratamento com novas drogas viria, contudo, a esbarrar em interesses comerciais e de política de propriedade industrial, limitando os benefícios daquele avanço científico a uma minoria de pessoas em necessidade (infectados e doentes).

Em 1996, anúncio cientificamente promissor é feito no Congresso de Aids de Vancouver: uma nova combinação de ARVs contra a Aids (a chamada tri-terapia) mostrou-se capaz de melhorar as condições de saúde e estender o tempo de vida dos pacientes. O acesso ao tratamento com novas drogas viria, contudo, a esbarrar em interesses comerciais e de política de propriedade industrial, limitando os benefícios daquele avanço científico a uma minoria de pessoas em necessidade (infectados e doentes)(4) . Uma vez que patentes criam monopólios, os altos preços praticados pelos laboratórios proprietários das novas drogas pesaram fortemente no orçamento do Programa Nacional, ameaçando sua sustentabilidade e continuidade. De fato, apenas 7 dos 17 medicamentos que constam do rol de drogas usados no tratamento de doentes brasileiros não são patenteados no Brasil e têm versões nacionais genéricas ou similares.
Os conflitos entre propriedade intelectual e saúde pública ganham destaque, inicialmente, em 2001, quando os EUA depositaram um queixa contra o Brasil na OMC, contestando a possibilidade de licença compulsória prevista pela lei brasileira.

A nova lei brasileira de patentes, entretanto, incluía algumas importantes flexibilidades e salvaguardas, como a possibilidade de licenças compulsórias, as famosas 'quebra de patentes'. As salvaguardas previstas na lei brasileira falavam, inicialmente, em dois casos: 'emergência nacional' e ausência de produção local, após três anos da concessão da patente (e dos direitos de exclusividade para a produção). Em 1999, foi acrescentada, pela aprovação de decreto-lei, uma terceira condição para emissão de licenças compulsórias no país, definida como 'interesse público' na área da saúde. Entretanto, até 2007, o Brasil nunca levou ao final um processo de licenciamento compulsório, apesar de, em três ocasiões, ter efetivamente ameaçado fazê-lo(5).

Os conflitos entre propriedade intelectual e saúde pública ganham destaque, inicialmente, em 2001, quando os EUA depositaram um queixa contra o Brasil na OMC, contestando a possibilidade de licença compulsória prevista pela lei brasileira. Foi também o ano em que laboratórios multinacionais levaram o governo da África do Sul a julgamento, contestando o Medicines Act daquele país, que almejava promover acesso a medicamentos baratos. Ambos os episódios causaram verdadeira comoção internacional. No fim, após longa pressão de ONGs e organizações internacionais, as corporações farmacêuticas retiraram o processo contra a África do Sul, e os EUA desistiram de sua queixa contra o Brasil na OMC. Como resultado, o Acordo Trips em contextos de saúde pública foi um dos assuntos prioritários na pauta da IV Reunião Ministerial da OMC, em Doha, Qatar, em novembro de 2001, com destaque para o problema do impacto do Acordo Trips no acesso a medicamentos essenciais. A reunião culminou na elaboração da Declaração de Doha, aprovada por todos os membros da OMC, reconhecendo que o Acordo Trips não deveria proibir as nações de tomarem medidas com vistas à promoção da saúde pública e, em especial, do acesso universal a medicamentos.

No bojo desses episódios, o debate sobre patentes farmacêuticas e acesso a medicamentos, bem como sobre a capacidade de produção dos laboratórios nacionais, ganhou cada vez maior visibilidade e foi ampliado com a inclusão de novos atores que, desde então, se posicionam como interlocutores dos formuladores e gestores de políticas públicas e nas negociações comerciais. Esse foi o caso de algumas das ONGs/Aids brasileiras, que vêm organizando redes, grupos, fóruns, publicações e oficinas para conhecer e produzir conhecimento sobre esses temas(6) , além de serem um dos mais importantes defensores da quebra de patentes de medicamentos contra Aids. O alargamento desses campos de discussão e atuação sobre a Aids constitui um fenômeno extremamente instigante, denotando uma notável politização de temas ligados à patente, à regulação farmacêutica e à produção de drogas. E, assim, assistimos à constituição de um complexo campo, em que interesses distintos, lógicas plurais e atores diversos negociam e disputam em torno de estratégias e arranjos para a promoção da saúde e do acesso a medicamentos anti-HIV/Aids. Por isso, também, essa problemática ocupa, de forma cada vez mais importante, um espaço no debate dentro do campo bioético.




NOTAS:

(1) Há dois marcos para cuja concretização a influência dos sanitaristas foi decisiva: a inclusão da saúde como direito fundamental e dever do Estado na Constituição de 1988 e a subseqüente criação do Sistema Único de Saúde (Sus), que pretendia universalizar a assistência na saúde no país.

(2) Já em 1989, algumas ONGs agregaram departamentos para assistência jurídica, que tiveram, entre outros, importante papel na garantia do acesso a tratamento e internação.

(3) A partir de 1971, também os processos farmacêuticos foram excluídos da patenteabilidade, no país.

(4) A disparidade entre necessidade e acesso a terapia anti-HIV/Aids é impressionante: há, no mundo, cerca de 6,5 milhões de pessoas necessitando tratamento, das quais apenas 700.000 têm acesso. E metade dos 300.000 pacientes de países em desenvolvimento com acesso a tratamento anti-HIV/Aids encontra-se precisamente no Brasil (Biehl, 2007).

(5) Em 2001, 2003 e 2005, o governo brasileiro ameaçou emitir licenças compulsórias de ARVs patenteados. Se a ameaçada nunca foi levada a cabo, nas três ocasiões, o país chegou a acordos de preços com os laboratórios produtores. Entretanto, alguns desses acordos, especialmente o de 2005, sobre o medicamento Kaletra, foram alvo de severas críticas.

(6) Ainda em 2001, algumas das principais ONGs/Aids do país, como a Abia e o Gapa, bem como grandes organizações internacionais, como o Médicos Sem Fronteiras (MSF), criaram o Grupo de Trabalho Propriedade Intelectual (GTPI), dentro da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip). Um dos objetivos do GTPI é justamente a discussão sobre patentes de medicamentos. Além disso, o grupo tem sustentado reiteradamente a capacidade dos laboratórios nacionais de se engajarem na cópia e produção local dos ARVs de segunda linha.

fonte blog Pedro vilella

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