O tema da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo deste ano, "Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro", mexeu com todo mundo, dos mais jovens aos que já têm seus cabelos brancos, tingidos ou não de outras cores.
O tema “Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro” colocou no centro da avenida aquilo que muitas vezes fica nos bastidores do nosso orgulho: a trajetória de quem viveu as primeiras batalhas pelo respeito e hoje carrega cabelos brancos, tingidos ou não, como troféus de luta e sobrevivência.
É emocionante ver ícones como Marco Nanini, aos 77 anos, fazendo sua estreia na Parada justamente para celebrar esse tema e lembrar que não há idade para assumir e defender sua identidade. Mas o impacto vai além dos veteranos: a caravana de Gisele Lourenço, que saiu madrugada afora do interior paulista, mostra como jovens também se mobilizam para aprender com as histórias que remontam aos primórdios do movimento.
O símbolo do leque, convocado pelos organizadores, virou um grito silencioso de resistência e manifestação—ao mesmo tempo ferramenta de expressão e de conforto para quem sofreu o peso do armário e hoje exibe cores e memórias nas mãos.
Por trás dos trios de Pedro Sampaio, Pepita e Banda Uó, pulsa um convite urgente a estreitar laços entre gerações:
- Ouvir quem viveu a Ditadura, a falta de leis, o medo do preconceito;
- Partilhar com os mais velhos sonhos de conquistas que só se tornaram possíveis pelo sacrifício deles;
- Inventar coletivamente novos rituais de celebração para que “futuro” deixe de ser palavra solta e se torne projeto compartilhado.
Que tal, então, levar essa reflexão adiante com pequenas ações?
• Organizar rodas de conversa em centros culturais ou on-line, onde pessoas 60+ ouçam depoimentos de quem marchou em 1997 e também guiem oficinas de dança, fotografia ou artesanato;
• Criar um arquivo colaborativo de memórias — vídeos, cartas, recortes de jornal — para manter viva a narrativa daqueles que abriram caminho;
• Apoiar instituições que hoje acolhem idosos LGBT+, fortalecendo redes de apoio e políticas públicas.
Além da Parada, vale explorar iniciativas como exposições fotográficas itinerantes sobre o envelhecimento LGBT+ e grupos de teatro que resgatam cenas históricas do movimento. Ao colocarmos “Memória, Resistência e Futuro” lado a lado, garantimos que cada fio branco seja lembrança viva e cada jovem visão de um amanhã mais inclusivo.
Como as questões de envelhecimento afetam diferentes identidades dentro da comunidade?
O envelhecimento impacta de forma desigual as diferentes identidades dentro da comunidade LGBT+, revelando camadas de vulnerabilidade que muitas vezes se sobrepõem.
Pessoas trans e travestis, por exemplo, enfrentam desafios ainda mais intensos. Muitas viveram boa parte da vida à margem do mercado formal de trabalho, o que compromete aposentadorias e acesso a cuidados de saúde. Além disso, há o medo constante de desrespeito em instituições de longa permanência, onde sua identidade de gênero pode ser ignorada ou até ridicularizada.
Homens gays mais velhos frequentemente relatam solidão e isolamento, especialmente aqueles que perderam amigos e parceiros durante a epidemia de HIV/AIDS. Muitos também enfrentam o chamado “retorno ao armário” em ambientes como hospitais ou casas de repouso, por receio de discriminação.
Mulheres lésbicas idosas podem lidar com invisibilidade dupla: por serem mulheres e por sua orientação sexual. Muitas não constituíram famílias tradicionais e, por isso, têm redes de apoio mais frágeis na velhice.
Pessoas bissexuais relatam que, com o passar dos anos, sua identidade é ainda mais questionada ou apagada, como se a bissexualidade fosse “fase” da juventude. Isso pode gerar sentimentos de invalidação e isolamento emocional.
Pessoas intersexo e não binárias enfrentam barreiras no acesso a cuidados de saúde adequados, já que muitos profissionais ainda não estão preparados para lidar com suas especificidades. A falta de reconhecimento legal e social também pesa com o tempo.
Essas experiências mostram que o envelhecimento LGBT+ não é um processo homogêneo. Ele é atravessado por gênero, raça, classe, e por histórias de resistência. Por isso, políticas públicas e redes de cuidado precisam ser sensíveis às particularidades de cada identidade.
Se quiser, posso sugerir projetos ou iniciativas que estão tentando mudar esse cenário no Brasil. Que tal?
Como a interseccionalidade impacta o envelhecimento na comunidade LGBT+?
A interseccionalidade revela que o envelhecimento na comunidade LGBT+ não é uma experiência única, mas sim um mosaico de vivências marcadas por raça, classe, gênero, território, deficiência e outros marcadores sociais. Cada uma dessas dimensões pode intensificar ou suavizar os desafios enfrentados na velhice.
Por exemplo, uma mulher lésbica negra e periférica pode enfrentar múltiplas camadas de exclusão: o racismo estrutural, o sexismo, a lesbofobia e a desigualdade socioeconômica. Isso pode se traduzir em menor acesso a serviços de saúde, moradia digna e redes de apoio, além de invisibilidade social e institucional.
Já pessoas trans e travestis idosas, especialmente negras, muitas vezes envelhecem sem acesso a aposentadoria ou cuidados médicos adequados, resultado de uma vida marcada pela exclusão do mercado formal de trabalho e pela violência institucional.
A interseccionalidade também ajuda a entender por que homens gays brancos de classe média podem ter acesso a mais recursos e proteção social, mas ainda assim enfrentam solidão, estigmas sobre sexualidade na velhice e o medo de discriminação em instituições de cuidado.
Essa abordagem, como destacam pesquisadores brasileiros, permite compreender as “velhices LGBT+” no plural, reconhecendo que políticas públicas e ações sociais precisam ser desenhadas com sensibilidade às múltiplas realidades que coexistem dentro da comunidade.
Se quiser, posso te mostrar exemplos de projetos que já aplicam essa perspectiva no Brasil ou sugerir formas de incorporar a interseccionalidade em ações locais. Que tal?
Pode me dar exemplos de projetos que aplicam interseccionalidade?
Claro, Francisco! Aqui vão alguns projetos e iniciativas no Brasil que aplicam a interseccionalidade de forma concreta no cuidado e valorização da comunidade LGBT+:
• EternamenteSOU – Focada em pessoas LGBT+ com mais de 60 anos, essa organização atua em São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina com atendimentos psicoterápicos, assistência social, jurídica e médica. O diferencial está na abordagem multidisciplinar e interseccional, considerando raça, classe e identidade de gênero para garantir uma velhice digna e ativa.
• Casa 1 – Localizada no centro de São Paulo, é uma república de acolhimento para jovens LGBT+ expulsos de casa. Além disso, oferece um centro cultural e uma clínica social. A Casa 1 trabalha com recortes de raça, gênero e classe, promovendo atividades educativas e culturais que fortalecem a autoestima e a autonomia dos acolhidos.
• Instituto +Diversidade – Atua com foco em empregabilidade e geração de renda para pessoas LGBT+, especialmente pessoas trans e travestis. Desenvolve programas de mentoria, incubadoras de negócios e parcerias com empresas, sempre com um olhar atento às desigualdades estruturais que atravessam a comunidade.
• Edital LGBTI+ Orgulho – Uma parceria entre o Itaú Unibanco, o Itaú Viver Mais e o Instituto +Diversidade, esse edital apoia projetos liderados por pessoas LGBT+ em todo o Brasil. Em 2025, o foco está na “economia prateada” e na vivência intergeracional, incentivando iniciativas que promovam inclusão, segurança e visibilidade para pessoas 50+ da comunidade.
Esses projetos mostram como é possível transformar a interseccionalidade em prática concreta, promovendo justiça social com sensibilidade às múltiplas camadas de identidade.
Quais são outros exemplos de interseccionalidade fora do Brasil?
A interseccionalidade tem sido aplicada em diversos contextos ao redor do mundo para compreender e enfrentar desigualdades complexas. Aqui vão alguns exemplos marcantes fora do Brasil:
• Marsha P. Johnson Institute (EUA) – Criado em homenagem à ativista trans negra que esteve na linha de frente da Revolta de Stonewall, o instituto atua com foco em mulheres trans negras e pessoas não binárias, reconhecendo como raça, gênero e classe moldam suas experiências de exclusão e resistência.
• UK Black Pride (Reino Unido) – Um dos maiores eventos da Europa voltado para pessoas LGBT+ negras e racializadas. Vai além da celebração: promove debates sobre saúde mental, imigração, racismo e acesso a direitos, sempre com uma lente interseccional.
• Rainbow Refugee (Canadá) – Organização que apoia pessoas LGBT+ refugiadas, muitas delas vindas de países onde a homossexualidade é criminalizada. A interseccionalidade aqui aparece na intersecção entre orientação sexual, status migratório, raça e trauma.
• Intersex Human Rights Australia – Atua na defesa dos direitos de pessoas intersexo, com foco em como gênero, deficiência e identidade corporal se cruzam para gerar exclusão médica e social. A organização pressiona por políticas públicas que respeitem a autonomia corporal desde a infância.
• Queer Disabled Club (Índia) – Um coletivo que reúne pessoas LGBT+ com deficiência, promovendo acessibilidade em espaços queer e denunciando o capacitismo dentro e fora da comunidade. Eles mostram como a interseccionalidade é essencial para garantir inclusão real.
Esses exemplos mostram que, ao redor do mundo, a interseccionalidade não é só um conceito acadêmico — é uma ferramenta prática de transformação social. Se quiser, posso te mostrar como adaptar essas ideias para contextos locais ou sugerir leituras e documentários sobre o tema. Vamos nessa?
Quais são as implicações da interseccionalidade nas políticas públicas?
A interseccionalidade transforma profundamente a forma como políticas públicas são pensadas, implementadas e avaliadas. Em vez de tratar desigualdades como compartimentos isolados — como se gênero, raça ou classe fossem problemas separados — ela reconhece que essas dimensões se entrelaçam e produzem experiências únicas de exclusão ou privilégio.
Aqui estão algumas implicações práticas:
• Diagnóstico mais preciso de desigualdades: Ao aplicar a interseccionalidade, gestores públicos conseguem identificar grupos que antes eram invisibilizados, como mulheres negras trans em situação de rua ou idosos LGBT+ racializados. Isso permite políticas mais direcionadas e eficazes.
• Evita soluções genéricas que reforçam desigualdades: Uma política de saúde para “mulheres” que não considera raça ou identidade de gênero, por exemplo, pode beneficiar majoritariamente mulheres brancas cisgênero, deixando outras para trás.
• Fortalece a articulação entre setores: A interseccionalidade exige que diferentes áreas — saúde, educação, assistência social, segurança pública — atuem de forma integrada, reconhecendo que os problemas sociais não cabem em caixinhas isoladas.
• Amplia a escuta e a participação social: Políticas interseccionais valorizam o saber de quem vive as múltiplas opressões. Isso significa incluir movimentos sociais, lideranças comunitárias e grupos historicamente marginalizados na formulação das políticas.
• Desafia indicadores tradicionais: Muitas vezes, os dados oficiais não capturam as nuances da interseccionalidade. Isso exige novas metodologias de coleta e análise de dados, mais sensíveis às sobreposições de desigualdade.
Em resumo, a interseccionalidade não é um “extra” nas políticas públicas — é uma lente essencial para que elas sejam realmente justas e transformadoras. Se quiser, posso te mostrar exemplos de políticas públicas interseccionais em áreas como educação, saúde ou segurança. Vamos nessa?
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