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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A HOMOSSEXUALIDADE E O ENVELHECIMENTO E SOLIDÃO


Além de conviver com o preconceito, os homossexuais idosos lidam com o medo e a solidão. Grupos em defesa da causa gay lembram que eles ainda não são reconhecidos como cidadãos

Não tem glamour nem purpurina, não. O envelhecimento da população gay hoje é uma realidade que não dá mais para disfarçar nem negar. A velhice chega para todos, com características semelhantes à dos heterossexuais, mas com mais violência e solidão, porque, na maioria das vezes, eles não constituem família nem têm filhos. "Os gays idosos são condenados, de novo, à invisibilidade, o pior dos preconceitos, porque são obrigados a viver confinados em guetos e, muitos, têm que voltar para o armário, pois passam a depender de parentes e cuidadores homofóbicos, que não aceitam velhos homossexuais. Alguns têm que se fingir de héteros, mesmo depois de uma vida inteira de luta", observa Ricardo Rocha Aguieiras, de 66 anos, militante do movimento gay de São Paulo. Desde2004, ele abraça a causa com fervor e alegria.




É a bandeira dos homossexuais idosos que ele desfralda, todo ano, a cada Parada do Orgulho Gay, em São Paulo: "Gaysidosostambémsão(muito)gostosos!!!". Mas nem tudo é tão simples assim. "O movimento em prol dos gays idosos ainda está engatinhando e muitos já vivem na rua da amargura, como é o caso dos transexuais, que são expulsos de casa ainda jovens, depois da escola formal,e quando chegam à velhice são abandonados à própria sorte e se envolvem com drogas e toda a violência em torno delas. Muitos desaparecem de circulação", explica Osmar Resende, de 61 anos, fundador da ONG Libertos, de Belo Horizonte, que defende os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT). Nem se fala ainda em cuidadores de idosos ou instituições de longa permanência para gays."Não existem nem mesmo casas simples que possam abrigá-los quando a velhice exigir cuidados e tratamento", diz Osmar, que,em 2011, foi indicado para representar os homossexuais na 2ª Conferência Nacional dos Idosos, em Brasília, mas foi expulso de três debates. "Não queriam me aceitar em nenhum deles, alegando que nossos problemas deveriam ser discutidos entre nós mesmos, que ali não era lugar." Insistente,Osmar acabou por conseguir se fazer ouvir, porque até hoje "nem citados somos no Estatuto do Idoso". Foi durante a conferência que Osmar ficou sabendo do caso de um transexual de Porto Alegre, que retrata bem a situação. Aos 75 anos, ele procurou um asilo e foi enxotado de lá. Sem recursos financeiros e já dependente de cuidados, ele voltou para casa, parou de tomar hormônios femininos, cortou os cabelos, deixou a barba crescer e retornou ao asilo, onde foi aceito tranquilamente. Para quem passou a vida inteira tentando se adequar à sociedade, na velhice teve que voltar a se mutilar, fingindo ser outra pessoa. Isso é um crime", diz Osmar. Esconder a orientação sexual às vezes é o único caminho para os idosos gays que ainda estão marcados por estereótipos. Eles recebem apelidos cruéis,como "tias", "bichas velhas", "pervertidos" e "mariconas, pois não conseguiram sossegar a sexualidade ou esconder o desejo. "A sociedade nos quer como anjinhos de cabelos brancos, sem desejo, sem reivindicações, escondidos, quietos e invisíveis", diz Aguieiras." 

Para saber sobre os idosos gays, o Bem Viver ouviu especialistas e militantes e passou a noite de sábado num dos redutos onde eles se encontram invariavelmente às sextas-feiras e sábados. Na mesa de um bar na Praça Raul Soares,com quatro idosos gays – Ricardo,de 69 anos; Afonso, de 66; Antônio, de 55, e Marcos, de 67,que contaram como vivem, onde vão, como são e como querem envelhecer. Os nomes são fictícios, porque eles não querem se expor ao preconceito. São homens bem-sucedidos na carreira, na vida financeira e afetiva e responsáveis pelo surgimento da oitava cor do arco-íris – o grisalho.

A informação dos militantes do movimento de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT) é de que os mais velhos escolheram um certo bar na Praça Raul Soares, região central de Belo Horizonte, onde vão religiosamente nos fins de semana. É sábado, 20h, e a coincidência é que numa das mesas da calçada há um conhecido, que abre as portas e apresenta os amigos, todos com mais de 60 anos. Alegres e divertidos, eles topam falar sobre como estão enfrentando o envelhecimento, mas preferem não tirar fotos nem dar nomes verdadeiros, "por causa da família, que sabe da nossa orientação sexual, mas prefere não conversar sobre o assunto. Eles procuram a gente quando têm um problema, mas não podemos fazer o mesmo. É por isso que formamos uma família de amigos". Assim, o gay mais velho, de 69 anos, que se dá o nome fictício de Ricardo, diz que cada um escolhe a maneira de viver e de envelhecer. "No Brasil, infelizmente, você se torna invisível quando fica velho." O companheiro de mesa dele, que se denomina Afonso, de 66, se apressa em complementar: "Pela própria exuberância da homossexualidade, com muitas plumas e paetês, quando a gente vai ficando mais velho é como se perdesse o brilho. E isso dói!", confessa. Juntos, Ricardo, Afonso, Antônio e Marcos criam oportunidades de encontro, como na Praça Raul Soares, e sempre viajam juntos para o litoral do país. Também alugam sítios na Região Metropolitana de BH, onde cada um dá um tanto de dinheiro para as comidas e bebidas. "Como o gay é tido como um cara bem de vida, porque não tem dependentes e tanto gasto financeiro, às vezes pode ser vítima de oportunistas. Os mais novos, porém, não devem se esquecer de que também somos mais sensíveis, solitários e frágeis por causa da idade, mas não somos bobos. A experiência ajuda muito." Se eles sentem que estão envelhecendo? "Sim", respondem prontamente. "É inevitável." E mostram a careca.O outro diz que pinta os cabelos brancos porque ainda prefere se relacionar com os mais jovens. "Rugas bastam as minhas", declara. Eles revelam os lugares onde encontram parceiros: "São oito saunas gays em BH, sendo que algumas têm garotos de programa e as outras só mesmo por amor". E aponta para o outro lado da rua, onde um senhor de 75 anos inicia uma paquera. "Você pode fazer o que quiser, mas sem perder a dignidade", constata um deles.


Por: Déa Januzzi - Reportagem publicada no Jornal "ESTADO DE MINAS" (Caderno Bem Viver) no dia 9 de setembro de 2012







CRÔNICA GAY

Esta semana estava lendo no site da revista “Caros Amigos” uma entrevista inédita de Carlos Drummond de Andrade para a revista ainda em 1984, quando ele tinha 82 anos.

O pingue-pongue falava sobre o processo do envelhecimento e como isso havia afetado sua escrita, de um modo geral, e sua poesia, em particular. Muito lúcido, Drummond desmistificava o tal processo de envelhecer (coisa que o médico e memorialista gay Pedro Nava, por exemplo, nunca conseguiu fazer), dizendo o seguinte sobre como encarava a velhice aos 21 anos:

“Eu acho que ninguém está preparado para envelhecer. É uma coisa que a vida se encarrega de nos trazer, sem que nós tenhamos pedido, nós não influímos nesse assunto, a mocidade não espera a velhice, não receia a velhice, e ninguém está preparado para envelhecer, ela vem como uma fatalidade biológica”.

Fiquei pensando nisso quando, numa conversa com um querido amigo careta, ele me disse que, na passeata gay da Paulista, ano passado, ficou intrigado ao ver como os gays mais velhos se aproximavam da figura das peruas. “Como assim?”, eu perguntei e devo ter feito uma cara de espanto tão grande que meu amigo foi logo se explicando: 

“Eu nunca vi tanto homem acima dos 30 agindo como adolescente, boné ao contrário, bermuda de surfista, exibindo corpos malhados no limite, caras botocadas, tomando drogas e ainda totalmente dedicados a uma fixação pela sedução que, depois dos 30, me parece meio anacrônica”
.

Eu ponderei que ele então estava saindo com caretas casados, porque os caretas solteiros… bem, esses continuam envelhecendo cada vez mais tarde, especialmente depois do fenômeno da metrossexualidade que transformou cada careta muderno numa persona um tanto gay. Ele admitiu isso, mas com certa melancolia. E finalizou: “Envelhecer, hoje, virou uma doença”.

Não sei bem se é por aí e meu aniversário esta semana me fez pensar bastante nisso no topo dos meus 43 anos. De cara, posso dizer que sou um sobrevivente. Da minha geração pré-Aids, poucos amigos estão vivos hoje para contar história, o que é tristíssimo. Mas é preciso deixar claro que envelhecer é também um delicioso processo de enxergar cada vez com mais clareza a vida de um modo geral (ok, ok, isso não é regra, mas deveria ser, correto?).

Eu trabalho com prazer, me exercito com prazer, amo meu companheiro com prazer e, por conta de uma história de vida bastante bem resolvida, posso dizer com tranqüilidade que ser cacura, véia, tiozinho - três adjetivos que carregam um tom de deboche e desprezo estranhos - é muito diferente de ter 43 anos de uma vida bem sucedida. Simples assim.

É claro que, quando eu tinha 21 anos, 43 anos me parecia de uma cacurice infinita. Mas ninguém tem 21 anos à toa, certo? Agora, aos 43, posso dizer que sou muito mais feliz, realizado e bonito do que aos 21, época em que eu ainda era constrangedoramente dark e fã de “The Cure” e “Smiths”. É claro que a imagem de cabelos do peito ficando brancos (e, em outras pessoas, cabelos da cabeça ficando ralos) é uma maneira de a vida te dar um toque: “Se acalma amigo, put yourself together”.

E quando eu ouço isso, tomo um banho com meu companheiro, botamos nossas melhores roupas e vamos ao Mesh nas quintas-feias gays do hotel “The opposite House” em Pequim, onde encontramos com amigos para discutir a Obamania que assolou o planeta. E ali, entre um lychee Martini e outro, enquanto meu companheiro passa carinhosamente a mão na minha nuca, eu sou o tiozinho mais feliz do planeta.


Por Gilberto Scofield Jr 










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