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quinta-feira, 4 de novembro de 2021

STF FEZ SUA PARTE AGORA ESPERAR A BOA VONTADE DO CONGRESSO FEDERAL



STF e a criminalização da homofobia



Em 13 de junho de 2019 o Plenário do STF entendeu que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, e do Mandado de Injunção (MI) 4733, assim, por maioria de oito votos a favor e três contrários, a Corte reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBTI+1.


De tal sorte que a conclusão foi: Por maioria, o Plenário aprovou a tese proposta pelo relator da ADO, ministro Celso de Mello, formulada em três pontos. O primeiro prevê que, até que o Congresso Nacional edite lei específica, as condutas homofóbicas e transfobias, reais ou supostas, se enquadram nos crimes previstos na lei 7.716/89 e, no caso de homicídio doloso, constitui circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe. No segundo ponto, a tese prevê que a repressão penal à prática da homo transfobia não alcança nem restringe o exercício da liberdade religiosa, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio. Finalmente, a tese estabelece que o conceito de racismo ultrapassa aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos e alcança a negação da dignidade e da humanidade de grupos vulneráveis2.




Da decisão podemos extrair alguns pontos relevantes: o primeiro deles é a necessidade de criação de uma lei específica por parte do Congresso Nacional regulamentando os direitos da população LGBTI+ e criminalizando a homofobia. Ponto positivo, pois, a mais alta Corte do País reconhece a carência de uma legislação específica sobre o tema, atenção que o legislador brasileiro parece não ter. Segundo: para não depender da inércia do legislador, enquanto perdurar o lapso temporal da chegada de uma lei específica há a equiparação, para as condutas homofóbicas e transfóbicas, para os delitos previstos na lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o que dela iremos no ocupar a seguir.


Quando o Supremo equipara a homofobia e a transfobia aos dispositivos da lei 7.716, o que se busca é considerar como discriminação e preconceito tais condutas, senão vejamos o artigo 1°:


Art. 1º Serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.


E se complementa pelo artigo 20:


Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.


Pena: reclusão de um a três anos e multa


Na prática há a criminalização da homofobia e da transfobia ao se acrescer por conta da decisão, também a questão sexual, com a clara possibilidade de aplicação de reclusão de um a três anos, além de multa. É a proteção das minorias que o Projeto de lei 122, de 2006 buscava e não logrou êxito. Assim, nos resta considerar se em decorrência da inclusão da discriminação sexual, se há, de fato, a necessidade de se criar uma lei específica sobre os direitos da população LGBTI+. A resposta é sim, há a necessidade, porque em lei própria há a possibilidade de um construto em torno do tema com a responsabilização não apenas penal, como também civil para aqueles que não respeitarem os direitos das lésbicas, bissexuais, gays, travestis e transsexuais.


É mais do que chegado o momento da sociedade brasileira e do Congresso Nacional reconhecer que a população LGBTI+ precisa de uma atenção diferenciada e, mais do que isso, ter seus direitos reconhecidos e estabelecidos. Apesar de serem minoria em comparação com os heterossexuais, não mais se trata de uma minoria irrelevante, seus membros, mesmo sem um levantamento oficial por parte do IBGE, já possuem quantidade suficiente a ponto de pertencerem ao ordenamento jurídico e dele receberem o cuidado e respeito.


O que igualmente precisa ser modificado é a questão do acolhimento, pois, as delegacias não possuem o devido preparo para acolher um travesti, um transsexual e a descriminação, ainda que velada continua presente, a influência do machismo também está lá e caminha em paripasso com as dificuldades enfrentadas pelas mulheres. Se já há o preconceito para com as mulheres, imagine para um homossexual, seja masculino ou feminino e para os travestis e transsexuais, as delegacias, em sua notada maioria não tem preparo para lidar com as variações de gênero que existem na atualidade.


Em todo o Brasil, oito de cada dez municípios não têm nenhuma estrutura de apoio à mulher vítima de violência. No total, estão nessa situação 4.406 localidades onde vivem cerca de 30 milhões de mulheres, segundo a Pesquisa de Informações Básicas Municipais realizada pelo IBGE3. O que dizer, portanto, do devido preparo para acolher e tratar com a lisura, respeito e a devida atenção a população LGBTI+?


O que falta, ainda nos dias correntes, é a educação, o entender que ser diferente não é uma escolha, mas sim, um descobrimento e que ao promover a intolerância e o desrespeito o que se processa é o afastamento e a segregação, incompatível com uma sociedade democrática e plural como se pretende a brasileira.


De volta aos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal falemos da questão da inclusão da homofobia como motivo torpe para homicídio doloso. Este é o terceiro aspecto contido na decisão e, nos parece o maior ganho, equiparação da homofobia e da transfobia a motivo torpe para qualificadora de homicídio.


Ao se equiparar a conduta para motivo torpe se garante que os homofóbicos terão um desestímulo ante ao poder simbólico do direito penal, como já mencionamos, a questão da ultima ratio. Como a própria decisão prevê é uma solução transitória até que seja criada uma legislação específica sobre o tema com seus requisitos e implicações específicas. Quando da criação de legislação própria é possível se prever que não apenas o homicídio estará previsto como outras condutas como a lesão corporal, por exemplo, sem óbice para que sejam estipuladas outras punições em outros crimes.


Ademais, não foi o Supremo Tribunal Federal o único a atuar na defesa da população LGBTI+, pois, a 3ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu de maneira unânime que as mulheres transsexuais que forem agredidas, que tal conduta seja considerada como tentativa de feminicídio4. Da mesma maneira a Delegacia da Mulher também estabeleceu em seus regramentos internos que naquele órgão as mulheres transsexuais também terão o devido acolhimento e lá podem fazer suas denúncias.


Outro ponto decidido pelo Supremo foi a questão da não restrição ao exercício da liberdade religiosa, desde que não exista o discurso do ódio. A decisão também é correta e esbarra no tema que já tratamos da possibilidade de algumas religiões ou representantes das mesmas semearem a intolerância acerca da população LGBTI+. O que não se pode confundir é a proselitismo, com a discriminação, a intolerância e o discurso de ódio, pois, nestes últimos passa a valer a defesa do primado da equiparação à discriminação e, por conseguinte, se criminalizar a homofobia.


A postura da Igreja Católica mudou com o atual Papa Francisco que, inclusive critica os fiéis que vão às igrejas e depois professam discursos de ódio:


O papa Francisco criticou novamente alguns membros da sua própria Igreja sugerindo que é melhor ser ateu do que um dos "muitos" católicos que levam o que disse ser uma vida dupla e hipócrita.


Em comentários improvisados em sermão de missa privada matinal em sua residência, ele disse: "é um escândalo dizer uma coisa e fazer outra. Isto é uma vida dupla". E prossegue: "Há muitos católicos que são assim e eles causam escândalos", disse. "Quantas vezes todos ouvimos pessoas dizerem 'se esta pessoa é católica, é melhor ser ateu'"5.


É o que se espera de um líder religioso, o devido aconselhamento a seus fieis e mostrar que todos são iguais e devem ser respeitados por suas escolhas e opções, inclusive as sexuais, sem discriminação, intolerância e, principalmente, homofobia e transfobia.


O último ponto em comento é que o conceito de racismo nega a dignidade da pessoa humana e da humanidade aos vulneráveis. Somente sobre a questão da violação da dignidade da pessoa humana e a não proteção dos vulneráveis já se teria um tema para um livro, quiçá um artigo científico. Como não é este o objetivo por agora, o que se pode comentar é: a Constituição Federal de 1988 também conhecida como Cidadã teve como preocupação construir um primado a fim de se garantir e efetivar um conjunto de direitos tidos como fundamentais. E dentre esses direitos temos como pilar da sociedade democrática brasileira a defesa da dignidade da pessoa humana. Portanto, não é compatível com os objetivos constitucionais o desrespeito, a discriminação e o preconceito para com a população LGBTI+, pois, sua dignidade é violada e, como dissemos, pode ocasionar danos profundos com consequências psicológicas, emocionais, além de poder resultar em problemas clínicos, psicológicos e culminar com tentativa de suicídio ou com a abreviação da própria vida.


Ao mencionar esse ponto específico reafirma o Supremo Tribunal Federal seu compromisso com os ditames constitucionais e seus primados.   


Por fim, o que ainda falta refletir, em que pese o ganho para a população LGBTI+, é se o Supremo Tribunal Federal deve ocupar um espaço que não lhe é devido, isto é, o de legislador, afinal, a mais alta Corte do País tem como função primordial, dentre os elencados no art. 102 da Constituição Federal6, julgar casos em que se questiona a constitucionalidade e não assumir o papel destinado ao Congresso Nacional de legislador.


A criminalização da homofobia não foi a primeira vez que os membros do STF legislaram, também o foram em ocasiões anteriores, como no caso da ADPF 54 sobre a temática do aborto, sobre a união homossexual, e ao que parece outros casos ainda surgirão em que o STF confunde seu papel.


Os membros daquela Corte justificam suas ações ao equipara as funções brasileiras com da Corte Constitucional Alemã, no entanto, as atribuições, poderes e estrutura são diferentes e não se aplica tal comparação, claro está que a seara do legislador é invadida indevidamente. Não se pode confundir o papel de guardião da Constituição para adquirir uma influência política. Sobre o tema Ives Gandra da Silva Martins:


Tenho, reiteradamente, declarado admiração aos 11 ministros da suprema corte, mas nem por isso, muito mais velho que eles, sinto-me confortável em vê-los, poder técnico que são, transformarem-se em poder político.


Creio que esse protagonismo crescente resulta em insegurança jurídica e, ao invés de ser, como era no passado, uma corte que garantia a estabilidade das instituições, por mais que sua intenção seja essa, termina por trazer um nível de instabilidade maior, visto que contra a lei inconstitucional pode-se recorrer ao Judiciário, mas contra a invasão de competências não há a quem recorrer.


Creio que valeria a pena a reflexão, não só por parte dos eminentes juristas que compõem a máxima instância mas também de professores, doutrinadores e operadores de direito, sobre se o momento não é de retornar-se a efetiva autonomia e independência dos Poderes, nenhum deles invadindo seara alheia, valorizando-se, assim, o artigo segundo da Lei Suprema.


Para mim, o Supremo não é um "legislador constituinte", mas, pelo artigo 102, exclusivamente um guardião da Carta da República7.


Há o perigo de que seja visto aos olhos da população que os onze ministros ao legislarem passaram a adquirir papel político, portanto, é fundamental se respeitar a separação dos poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário e um não atravessar a seara do outro, como alertam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:


A partir dessa ideia-chave, Montesquieu estruturou de forma racional a concepção de que o poder só pode ser eficazmente contido se o seu exercício for distribuído por diferentes centros independentes entre si, de tal sorte que se obtenha a "limitação do poder pelo poder". Como foram identificadas três funções nucleares na atividade do governo, propôs o pensador francês que cada uma delas fosse atribuída a um órgão, sem que qualquer deles prevalecesse sobre o outro. Desse modo, pregava ele, há de existir um órgão encarregado do exercício de cada uma dessas funções e, ademais, não deverá existir nenhuma subordinação entre eles, o que permitirá um controle recíproco e automático de cada qual pelos demais8.


A nossa opinião é a mesma, em que pese os benefícios, neste caso à população LGBTI+, não é atribuição do Supremo Tribunal Federal na pessoa de seus onze ministros assumirem o papel de legislador constituinte, sua função, exclusiva, é salvaguardar a boa e correta aplicação da Constituição Federal, porque ao invadir seara alheia se cria margem para interpretações de influência e interesses políticos que não devem e não poderiam se misturar a última instância do Judiciário brasileiro.


A questão da diversidade sexual tem enfrentado evoluções e resistências no correr das últimas décadas. Se compararmos o debate em torno do tema na década de sessenta do século passado com o período de abertura de meados dos anos oitenta para o cenário presente é possível notar que a diversidade sexual teve um avanço constante e a questão das liberdades somente expandiu de lá para cá.


O que não significa que tudo esteja às mil maravilhas e que ser lésbica, gay, bissexual, travesti ou transsexual tenha seja tarefa fácil e que declarar a sua opção sexual tenha se tornado um ato corriqueiro sem nenhuma consequência.


A verdade é que ainda existe uma notada resistência social em aceitar o diferente. As tradições acostumaram as pessoas a considerarem normal uma relação entre um homem e uma mulher. Fora deste modelo... Bem, temos algumas pessoas que ainda insistem com a ideia pretória de que isso não existe, afinal só temos homens e mulheres. Nesta esteira os problemas enfrentados diuturnamente em nossa sociedade acerca da discriminação dos homossexuais e transsexuais que, inclusive, na maioria das vezes se traduzem em agressões físicas, somente se avolumam.


A discussão acerca da diversidade sexual não tem de se iniciar no declarar a sua orientação sexual, mas sim, em um momento anterior. A assunção da liberdade em fazê-lo. O que não podemos perder de vista é o cerne do problema, pois, não se trata de proteger os homossexuais, mas sim, analisar a questão um passo ainda anterior: o exercício que todo cidadão possui de exercer o seu direito de escolha, seja em questões de gênero, cor, sexo, preferência política etc.


A resposta é que a liberdade de escolha deve ser garantida. Nossa Constituição Federal bem como o ordenamento jurídico nacional são claros ao combater a discriminação, em especial os artigos 1°, 3° e 5° da Constituição Federal do Brasil. A Constituição Federal determina que todos são iguais perante a lei, portanto, não existe discriminação ou diferenciação de gênero. As pessoas têm o direito de exercer plenamente seu direito de escolha e, por conseguinte, ter o seu direito respeitado.


O objetivo é demonstrar que não existem diferenças entre os seres humanos e que todos devem ser respeitados igualitariamente, sem nenhum tipo de juízo de valor, afinal, utilizando um conceito religioso, o homem é a imagem e semelhança do Criador, logo, se maltratar ou não respeitar a dignidade da pessoa humana será o mesmo que afrontar o próprio Criador. A homossexualidade não é uma chave seletora a qual existe a possibilidade de ligar e desligar. Logo, a questão deixa de ser encontrar um caminho, pois, o fato é que uma pessoa desejou se tornar homossexual ou apenas cedeu a algo que já estava dentro de si, sem arrependimentos, problemas ou perda da fé.


Aliás, é mais comum ter problemas por declarar a sua homossexualidade do que não o fazer, haja visto todo o preconceito que relatamos ao longo deste artigo. A má vontade social em reconhecer sua escolha e o desrespeito para com ela. Alguns tratam o homossexualismo como doença e o preconceito é tamanho que evitam até ter contato físico porque pode ser "infectado". O fato é que a desinformação ainda predomina aliada a uma sociedade que permanece machista e resistente ao novo. Inclusive com orientações recentes da própria ciência que rotulou, até meados da década de oitenta, o homossexualismo como doença.


No entanto, se combate sempre a consequência, isto é, a intolerância e o ato de discriminar. Quando a tratativa, insistimos, deve ser no momento anterior: a garantia do direito de uma pessoa ter o direito de escolher o que é melhor para si. Cabe, efetivamente ao direito, garantir e efetivar o direito de todo e qualquer cidadão ter os seus direitos respeitados e protegidos.


É fácil afirmar que a Constituição Federal protege a diversidade sexual. Difícil é verificar a punibilidade na prática. Ainda falta a compreensão ao direito dos demais em optar pelo diferente. Ademais, a herança cultural de nosso País demonstra claramente que o preconceito e a discriminação ainda imperam cotidianamente, logo, cabe também ao Estado professar a tolerância, a convivência harmônica com os demais independentemente de sua orientação sexual.


Educar: Estado, homens, mulheres e a família, esse é o norte para que a homofobia diminua, que as mortes em decorrência da diversidade sexual sejam inferiores a 20 por dia. O trabalho é árduo e longo, seus frutos não serão percebidos em pouco tempo, contudo, não adianta apontar as fragilidades das leis, suas impropriedades, sem enfrentar o machismo[9] desde o nascimento dos meninos10, a relação familiar e a transmissão de valores que não possuem inclusão, respeito e aceitação às diferenças entre os sexos com suas particularidades.


Assim, além de trabalhar a notada falta de acolhimento na estrutura policial do Brasil, mais do que criar leis, o que precisa ser feito para garantir que uma pessoa LGBTI+ não seja a vítima de hoje é educar, educar e educar. 


Este conteúdo pode ser compartilhado na íntegra desde que, obrigatoriamente, seja citado o link: https://www.migalhas.com.br/depeso/319644/stf-e-a-criminalizacao-da-homofobia

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